Perfil | Excertos de traduções | Bibliografia
Zéfere é um tradutor e poeta brasileiro nascido em Ituiutaba, em 1980, cujo nome de nascimento é José Roberto Andrade Féres. O pseudônimo é, muito provavelmente, uma junção do apelido “Zé” com seu sobrenome “Féres”, mas é possível afirmar que a brincadeira com as palavras não se esgote aí, uma vez que Zéferes pode remeter, ainda, ao deus grego filho de Eos e Estreu, Zéfiro.
Zéfere é professor do Departamento de Línguas Estrangeiras Modernas - Francês e Literatura francesa - da Universidade Federal da Paraíba, doutor em Literatura e Cultura, com foco em Tradução, pela Universidade Federal da Bahia (2015), mestre em Literatura comparada, pela Université Paris IV (2011) e mestre em Tradução literária, pela Université Paris VIII (2011).
Publicou, em 2006, um livro de poesias intitulado A Coesia das Coisas, pela editora 7 Letras, que teve poemas musicados por Sílvia Gommes e Mestre Jonas. Com relação à sua atuação como tradutor, Zéfere se aventurou no romance experimental La disparition (1969) de Georges Perec. A obra, que em português leva o título O sumiço (Editora Autêntica), foi por ele traduzida durante um período de cinco anos até sua publicação em 2016. A “demora” na tradução da obra se deve à restrição inicial imposta pelo autor francês na obra original, O sumiço é uma obra onde o leitor não encontrará a letra “e”, ou a encontrará nas entrelinhas. Como bem ressalta o próprio tradutor em “Sobre moedas falsas e o ‘Qu’ de Quasimodo ou de quais modos forjar O sumiço de Perec?”, quem a encontrar (referindo-se aos personagens), some. Por sua tradução, Zéfere recebeu o Prêmio Paulo Rónai em 2016 e o 58º Prêmio Jabuti, ficando em terceiro lugar. Desde 2017, traduziu outro romance experimental de Perec, dessa vez Les revenentes (1972) com o título em português: Qe regressem. Ao contrário da narrativa de O sumiço, que interditava a escrita com a vogal “e”, em Qe regressem essa é a única vogal permitida.
Verbete publicado em 9 de April de 2021 por:
Bruna Brito Soares
Marie-Hélène Catherine Torres
Excerto de O sumiço, de Georges Perec. Tradução de Zéfere.
Il s’acharna huit jours durant, croupissant, s’abrutissant, languissant sur l’oblong tapis, laissant sans fin courir son imagination à l’affût ; s’appliquant à voir, puis nommant sa vision, l’habillant, construisant, bâtissant tout autour la chair d’un roman, planton morfondu, divaguant, poursuivant l’illusion d’un instant divin où tout s’ouvrirait, où tout s’offrirait. |
Ficou obstinado com aquilo por oito dias, afracando, languindo na oblonga alfombra, a toda hora soltando sua imaginação à caça; ficava na visão, aí nominava-a, moldando, construindo, compondo toda uma narrativa à sua volta, numa vigília cansativa, divagando, insistindo na ilusão duma iluminação divina, graças à qual tudo soaria alto, claro. |
Il suffoquait. Nul jalon, nul timon, nul fanal, mais vingt combinaisons dont il n’arrivait pas à sortir, quoiqu’il sût, à tout instant, qu’il côtoyait la solution, qu’il la frôlait : ça approchait parfois, ça palpitait : il allait savoir (il savait, il avait toujours su, car tout avait l’air si banal, si normal, si commun…) mais tout s’obscurcissait, tout disparaissait : il n’y avait plus qu’un chuchotis furtif, un charabia sibyllin, un galimatias diffus. Un faux jour. Un imbroglio. |
Aquilo o sufocava. Baliza alguma, timão algum, farol algum para guiá-lo, mas ia roçando, triscando na solução: sabia-a próxima, ali, palpitando: ia achá-la (já a achou, já a achara, pois tudo tinha a cara mais banal, mais normal, mais comum do mundo…) mas tudo ficava obscuro, tudo sumia: sobrava um burburinho furtivo, um ruído sibilino, um murmurinho difuso. Um claro-obscuro. Um imbróglio. |
Il n’arrivait plus à dormir. |
Não podia mais dormir. |
Il s’alitait pourtant au couchant, ayant bu son infusion, un sirop à l’allobarbital, à l’opium, au laudanum ou au pavot ; il couvrait pourtant d’un madras son sinciput ; il comptait pourtant moutons sur moutons. |
Todavia ia para a cama ao pôr-do-sol, logo após sua infusão, com algum barbitúrico na composição, ou ópio, ou láudano ou papoula; todavia fazia-a cobrindo o cocuruto com um pano; todavia contava cabritinhos, muitos cabritinhos. |
Au bout d’un instant, il s’assoupissait, somnolait. Puis, tout à coup, il paraissait pris d’un sursaut brutal. Il frissonnait. Alors surgissait, l’assaillant, s’incrustant, la vision qui l’hantait : un court instant, un trop court instant, il saviat, il voyait, il saisissait. |
Passados alguns minutos, dormitava, cochilava. Aí, num susto brutal, abria os olhos. Sim, tinha um calafrio. Aí surgia, invasiva, violadora, a visão a assombrá-lo: por um átimo, por um ínfimo átimo, Vagol adivinhava, avistava, captava. |
Il bondissait, trop tard, toujours trop tard, sur son tapis : mais tout avait disparu, sauf l’irritation d’un souhait ayant failli aboutir, sauf la frustration d’un savoir non assouvi. |
Saltava da cama para a alfombra: mas tudo já havia sumido, afora a irritação por causa do alvo inatingido, a frustração por causa do logos, por tão pouco, inalcançado. |
Alors, aussi vigilant qu’un individu qui a dormi tout son saoul, il abandonnait son lit, il marchait, buvait, scrutait la nuit, lisait, allumait la radio. Parfois, il s’habillait, sortait, traînait, passait la nuit dans un bar, ou à son club, ou, montant dans son auto (quoiqu’il conduisît plutôt mal), allait au hasard, par-ci ou par-là, suivant son inspiration : à Chantilly ou à Aulnay-sous-Bois, à Limours ou au Raincy, à Dourdan, à Orly. Un soir, il poussa jusqu’à Saint-Malo : il y passa trois jours, mais il n’y dormit pas plus. |
Aí, tão acordado quanto um indivíduo após dormir um bocado, saía da cama, andava, tomava algo, sondava a madrugada, lia, ligava o rádio. Dia ou outro, colocava uma roupa, ia para a rua, vagava, passava a madrugada num bar, ou num dancing, ou, dirigindo (muito mal), dava voltas com o carro, ao acaso, virando aqui, ali, a gosto da inspiração; rumo a Chantilly ou Aulnay-sous-Bois, a Limours ou Rancy, a Dourdan, a Orly. Numa das madrugadas, alcançou Saint-Malo, passou um tríduo por lá, mas não dormiu um só minuto. |
|
|
PEREC, G. La disparition. Paris: Denoël, 1969, p. 319. |
PEREC, G. O sumiço. [Por: Zéfere]. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015. |
Fressato, L.; Larousse A. A Balada da Bailarina Torta. [Por: Zéfere]. 2012. (La Danseuse boiteuse). Poesia/Música.
Lemaitre, P. Vestido de noivo. [Por: Zéfere]. São Paulo: Vertigo, 2013. (Robe de marié). Romance.
Lemaitre, P. Recursos desumanos. [Por: Zéfere]. São Paulo: Vestígio, 2015. (Cadres Noirs). Romance.
Perec, G. O Sumiço. [Por: Zéfere]. Belo Horizonte: Autêntica, 2015. (La disparition). Romance.
Kaplan, L. O inferno é verde. [Por: Zéfere]. São Paulo: Luna Parque, 2018. (L’nfer est vert). Poesia.
Perec, G. Abordagens de quê?. [Por: Zéfere]. In: Gandolfo, E. E. Ônibus. Rio de Janeiro: Papéis Selvagens, 2018. (Approches de quoi). Ensaio.
Zéfere. Fogos de artifício fátuo. Belo Horizonte: zine Lutgarda 2, 2001.
Zéfere. Prece olvida. Belo Horizonte: zine Lutgarda 2, 2001.
Zéfere. Trenzim caipira di Vila-Lobo. Belo Horizonte: zine Lutgarda 1, 2001.
Zéfere. Aur'ora. Belo Horizonte: zine Lutgarda 1, 2001.
Zéfere. Peruinha destino Paraíso. Belo Horizonte: zine Lutgarda 3, 2002.
Zéfere. Xenófobo em condolente sinal. Belo Horizonte: zine Lutgarda 3, 2002.
Zéfere. Corpo-mundo. Belo Horizonte: zine Lutgarda 4, 2002.
Zéfere. π rei com minha poesia. Belo Horizonte: zine Paideuma, 2008.
Apresentação | Créditos | Contato | Admin
ISBN: 85-88464-07-1
Última atualização desta página
©2005-2024 - NUPLITT - Núcleo de Pesquisas em Literatura e Tradução
Site melhor visualizado em janelas com mais de 600px de largura disponível.