Yara Frateschi Vieira :: DITRA - Dicionário de tradutores literários no Brasil :: 
Dicionário de tradutores literários no Brasil


Yara Frateschi Vieira

Perfil | Excertos de traduções | Bibliografia

Yara Frateschi Vieira nasceu em Juiz de Fora, Minas Gerais, no dia 14 de março. Obteve o título de Doutora na Universidade de São Paulo, em 1972. Lecionou Literatura Portuguesa na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP - de 1968 a 1975, e na Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP. Aposentada em 1991, continuou na instituição na qualidade de professor colaborador voluntário. Foi também professora associada contratada na área de Filologia Portuguesa na Universidade de Santiago de Compostela - USC. Morou no Brasil e nos Estados Unidos durante o período de 1979 a 1996, intermitentemente, e na Espanha, de 1997 a 2003.

Traduz do francês, do inglês e para o inglês; acompanhou e revisou uma tradução do alemão. Yara prefere traduzir do inglês, por ser essa a língua que conhece melhor; tem, também, mais afinidade com a cultura inglesa. Além das traduções literárias, traduz ensaios.

Recentemente, coordenou e fez a revisão da tradução das Randglossen zum altportugiesischen Liederbuch, de Carolina Michaëlis de Vasconcelos, obra aos estudiosos da área de estudos sobre a lírica galego - portuguesa.

Verbete publicado em 14 de October de 2006 por:
Narceli Piucco
Marie-Hélène Catherine Torres

Excertos de traduções

Excerto de O choro é sempre um lugar incerto, de Rui Nunes. Tradução de Yara Frateschi Vieira e Eric Mitchell Sabinson:

O choro é sempre um lugar incerto

Crying is a place ever uncertain

o que aqui se dá a ver é o nosso medo:

what is to be seen here is our fear:

cada imagem diz que as trevas são luminosas, que a luz se abre em grãos de sombra, se torna descontínua, às vezes concentra-se e pesa e traça a linha da alucinação: é assim que a sombra devém a alucinação de uma luz que cede, o excesso de uma luz que se deposita: mevermo-nos numa paisagem única: a da cegueira branca que se parte e erra, inscrevendo-se no mundo um segredo que não lhe pertence,

each image says that the darkness is luminous and the light somber, that the light opens into grains of shadow, becomes discontinuous, sometimes condenses and weighs down and traces the line of hallucination: in this way the shadow grows into the hallucination of a yielding light, the excess of a sinking light: we move in one landscape only: the splitting and wandering white blindness, inscribing upon the world a secret not its own,

Esta luz não abre a palavra. Mas abre em nós a palavra como uma reminiscência.

This light does not open to the word. But it opens the word in us as a reminiscence:

um rosto cresce até à legibilidade, cresce e mostra o sofrimento, tão intenso, que esbate cada linha numa doença da fronteira. A morte rodeia-o dos seus sinais: peso, mortalha, letras, números, porém, ele parece dormir, no silêncio de um nome e apagar-se. E nesse sono, sonha a infância:

a face grows until it becomes legible, grows and shows suffering so intense, that it wears away each line in a disease of the border. Death surrounds him with its signs: heaviness, shroud, letters, numbers, he seems nonetheless asleep in the silence of an effacing name. And in this sleep he dreams of childhood:

correm as crianças na rua vazia, num movimento que as quer desprender da sua sombra. Este horror está inscrito na nossa memória; outras crianças correram assim, numa cidade da alemanha, numa rua de gaza, no silêncio das ruínas de sarajevo, num meio-dia qualquer da incerteza, presas também à sombra, mas tentando escapar dela.

the children run down the empty street, in a movement that would detach them from their shadows. This horror is inscribed upon our memory; other children have run in the same way, in a german city, in a street in gaza, in the silence of sarajevo's ruins, in a whatever noon of uncertainty, also bound to their shadows, but striving to escape them.

O terror não é um nome alucinante. É o texto dos olhos, inequívoco, que descreve a fuga e torna a luz a sintaxe do medo.

Terror is not a name that hallucinates. It's the eyes' unequivocal text, describing the flight and turning the light into the syntax of fear.

abre-se o caminho para a nossa memória, ou vem da nossa memória, parte de nós e entra na lixeira suburbana, por entre catenárias e prédios que mostram a construção das suas ruínas; ao fundo, não há a porta encimada pelas palavras Arbeit Macht Frei; ao fundo, as linhas convergem para o labirinto de paredes e viga, a ossadura dos telhados, o precário rumor das sombras, os muros de uma eternidade rudimentar que ali fixou os seus ícones; na morgue, esse matadouro onde se constrói a outra geometria, o cadáver é pleno na sua dureza branca; a luz coagulou em néon nos mosaicos, depois, caiu em pó sobre o morto e deu-lhe a sua forma branca, a da luz morta, que modela cada instante da decomposição; o som é o de um pingo de água a rebentar na porcelana do lavatório; por cima, o espelho oval mostra o cabide, o símbolo que o abandono ligeiramente deslocou; na mesa dissecatória, a minúcia escreve o texto desta morte: os pés expõem a nudez total; estes pés não correram, não andaram, não procuraram na areia a moeda, a concha, o alimento, são os absolutos objetos do terror, hirtos, devoram todo o movimento, produzem a pedra, a linha, a obstinação, no exterior, o trabalho da aranha é a fractura a ramificar-se no vidro. Quase vemos o seu percurso interminável, a imperfeita geometria da sufocação. A morte construiu na teia os seus nichos vazios, as suas órbitas, que expandiram a pupila até ao rasgão.

the way opens to our memory, or comes from our memory, leaves us and enters the dump site at the edge of the city, among catenaries and buildings displaying the construction of their ruins; there is not, at the back, the door under the words Arbeit macht Frei; at the back, the lines converge towards the labyrinth of walls and beams, the skeleton of the roofs, the precarious mumble of the shadows, the walls of a rudimentary eternity that hung there its icons; at the morgue, this slaughterhouse where the other geometry is built, the corpse is whole in its white hardness; the light curdled in neon on the tiles, and then fell unto dust over the dead and gave it its form, the dead light's form, which moulds each instant of decay; the sound is that of a water drop bursting on the sink's porcelain; above it, the oval mirror shows the hanger, a symbol that abandonment has slightly shifted; on the dissection table, the detail writes the text of this death:

the feet expose themselves, expose the total nakedness; these feet did not run, did not walk, did not search in the sand for the coin, the shell, food, they are the absolute objects of terror, stiff, devouring all movement, producing the stone, the line, obstinacy,

on the outside, the spider's work is the fracture branching out on the glass. We almost see its endless way, the imperfect geometry of suffocation. Death built in the web its empty niches, its orbits that stretched the pupil until ripped.

Quem se opõe à minúcia exaustiva da dor, essa palavra sempre a soletrar-nos?

Who opposes the exhaustive minuteness of pain, this word ever spelling us?

há olhos que não vêem o vôo, mas a sua queda, entre pedrisco; há olhos que não vêem o corpo no seu auge, mas a longa cicatriz; há olhos que não vêem o texto, mas a palavra, uma só, que cega todas as outras; há olhos que não vêem Deus, mas o seu teatro, os sinais da sua passagem ou da sua ausência; há olhos que constroem os sinais da passagem de um deus para conseguirem parar. A essa paragem chama-se desmesura. Há esse olhar que aflora as coisas, as faz crescer até o insuportável, e lhes dá a dignidade do rudimento; que abre os lábios a uma só palavra e entra nos seus meandros para a esquecer; que torna cada coisa um vestígio e se apaga ao ir de uma coisa a outra: e neste percurso expõe a mortalidade; há um olhar que não vê nexos mas acumulações:

some eyes do not see the flight, but the fall among pebbles; some eyes do not see the body at its acme, but the long scar; some eyes do not see the text, but the word, one only, blinding all the others; some eyes do not see God, but his theatre, the signs of his passing through or of his absence; some eyes build the signs of a god's passing through so that they can stop. This stopping is called excess. There is an eye that brushes over things, makes them grow until they are unbearable, and gives them the dignity of the rudiment; that opens the lips to just one word, and goes into its meanderings to forget it; that turns everything into a trace, and effaces itself moving from one thing onto the other: and on this journey it exposes mortality; there is an eye that does not see connections but accumulations:

montes de garfos que são montes de cabelo que são montes de roupa que são montes de sapatos de malas de ossos mortos,

heaps of forks that are heaps of hair that are heaps of clothes that are heaps of shoes of suitcases of bones of corpses,

montes de garfos que são montes de corpos nus a resvalar, no plano inclinado da caixa de uma camioneta, para uma vala comum, garfos que na periferia têm o brilho do aço dos capacetes, o tracejado milimétrico de um tiro.

heaps of forks that are heaps of naked bodies sliding, over the slanted bed of a dumper truck, into a common grave,

forks that have on their edges the steely brightness of a helmet, the millimetric outline of a gunshot.

A mão abre a luz ao gesto, ilumina o silêncio de outra mão,

The hand opens the light to the gesture, lights up the silence of another hand,

Nunes, Rui. Crying is a place ever uncertain. Texto escrito para a exposição fotográfica "Far cry", de Paulo Nozolino, museu da fundação Serralves, Porto (Portugal), maio de 2005. (Tradução de Yara Frateschi Vieira e Eric Mitchell Sabinson).

Bibliografia

Traduções Publicadas

Bakhtin, Mihail Mihajlovic. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento. [Por: Yara Frateschi Vieira]. São Paulo: Hucitec, 1999. [1. ed. 1987]. (Rabelais et la culture populaire au Moyen Age et sous la Renaissance). Tradução do original em russo.

Bakhtin, Mihail Mihajlovic. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. [Por: Yara Frateschi Vieira]. Tradução Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 1999.

 

Nunes, Rui. Crying is a place ever uncertain. [Por: Yara Frateschi Vieira; Eric Mitchell Sabinson]. Porto: Museu da Fundação Serralves, 2005. (O choro é um lugar sempre incerto). Texto escrito para a exposição fotográfica "Far cry", de Paulo Nozolino.

Vasconcelos, Carolina Michaëlis de. Glosas marginais ao cancioneiro medieval português. [Por: Yara Frateschi Vieira]. Coimbra: Universidade de Coimbra, Santiago de Compostela: Universidade de Santiago de Compostela, Campinas: Editora da Unicamp, 2004.

Obra própria

Yara F. Vieira. Níveis de significação no romance. São Paulo: Ática, 1975.

Yara F. Vieira. Sob o ramo da Bétula: Fernando Pessoa e o erotismo vitoriano. São Paulo: Editora da Unicamp, 1989.

Yara F. Vieira; Lênia Márcia M. Mongelli; M. Amparo T. Maleval. Vozes do trovadorismo galego-português. São Paulo: Íbis, 1995.

Yara F. Vieira. Antologia de poesia galega. São Paulo: Editora da Unicamp, 1996.

Yara F. Vieira. En cas dona Maior: os trovadores e a corte senhorial galega do sec. XIII. Santiago de Compostela: Laiovento, 1999.

Yara F. Vieira; Lênia Márcia M. Mongelli. A estética medieval. São Paulo: Ibis, 2003. Antologia de textos de estética poética medieval. Os textos originais foram traduzidos e comentados.

Yara F. Vieira et al. Glosas Marginais ao Cancioneiro Medieval. Coimbra/Santiago/Campinas: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2004.

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ISBN:   85-88464-07-1

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