Perfil | Excertos de traduções | Bibliografia
Pernambucano, Sebastião Uchôa Leite nasceu na cidade de Timbaúba em 31 de janeiro de 1935. Poeta, considerado um dos mais representativos de sua geração, publicou seu primeiro livro de poesia, Dez sonetos sem matéria, em 1960. Em 1962, diplomou-se bacharel em Direito e Filosofia pela UFPE. Nos anos seguintes, foi orientador do suplemento literário do Jornal do Comércio e participou do grupo de literatura reunido em volta da revista Estudos Universitários. Em 1965, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde publicou seus primeiros livros de ensaio e traduções. Em 1970, trabalhou na Enciclopédia Mirador Internacional, sob a coordenação de Antonio Houaiss, e em diversas editoras, entre elas a da Funarte e do IPHAN. Na década de 80, foi editor no Serviço Nacional de Teatro, e em 1986, responsável pelo setor de edições do Instituto Nacional de Setor de Artes Cênicas, tendo exercido inúmeras outras funções.
Sua obra poética, no entanto, pode ser conhecida através de seus oito livros, tendo sido em parte traduzida para outras línguas, figurando em antologias de países como Espanha, Alemanha, Portugal, Áustria, Inglaterra e Argentina. Logo, atento às particularidades textuais menos aparentes de uma obra estrangeira, iniciou sua carreira como tradutor na década de 60, traduzindo Alice no país das maravilhas, de Carrol, e mais tarde, outros importantes autores. Além de prólogos e edições anotadas, escreveu também alguns ensaios relacionados a aspectos tradutológicos, sempre acerca dos poetas que traduziu, entre eles "O paradoxo da tradução poética: notas sobre o pequeno e o grande jogo na poesia de François Villon" (incluído em seu livro Jogos e enganos).
Em 1980, recebeu o Prêmio Jabuti de Poesia, pelo livro Antilogia, concedido pela Câmara Brasileira do Livro, e em 2001 e 2003, respectivamente, com A regra secreta, conquistou o Prêmio Murilo Mendes e o 2° lugar do Prêmio Portugal Telecom de Literatura Brasileira. Pela obra traduzida, foi laureado com os Prêmios Jabuti de Tradução, em 1998, pela tradução de Crônicas Italianas, de Stendhal, e em 2001, pelas Poesias, de François Villon.
Sebastião Uchôa Leite faleceu em 27 de novembro de 2003.
Verbete publicado em 22 de February de 2006 por:
Gleiton Lentz
Andréia Guerini
Excerto do ensaio "O cine filosófico de Buñuel", de Octavio Paz. Tradução de Sebastião Uchôa Leite
El cine filosófico de Buñuel |
O cine filosófico de Buñuel |
Hace algunos años escribí unas páginas sobre Luis Buñuel. Las reproduzco: «Aunque todas las artes, sin excluir a las más abstractas, tienen por fin último y general la expresión u recreación del hombre e sus conflictos, cada una de ellas posee medios e instrumentos particulares de encantamiento, y así constituye un dominio propio. Una cosa es la música, otra la poesía, otra más el cine. Pero a veces un artista logra traspasar los límites de su arte; nos enfrentamos entonces a una obra que encuentra sus equivalentes más allá de su mundo. Algunas de las películas de Luis Buñuel – La edad de oro, Los olvidados – sin dejar de ser cine nos acercan a otras comarcas del espíritu: ciertos grabados de Goya, algún poema de Quevedo o Péret, un pasaje de Sade, un esperpento de Valle-Inclán, una página de Gómez de la Serra... Estas películas pueden ser gustadas y juzgadas como cine y asimismo como algo perteneciente al universo más ancho y libre de esas obras, preciosas entre todas, que tienen por objeto tanto revelarnos la realidad humana como mostrarnos una vía para sobrepasarla. A pesar de los obstáculos que opone a semejantes empresas el mundo actual, la tentativa de Buñuel se despliega bajo el doble arco de la belleza y de la rebeldía.... » |
Há alguns anos atrás escrevi umas páginas sobre Luís Buñuel. Reproduzo-as: "Embora todas as artes, sem excluir as mais abstratas, tenham por fim último e geral a expressão e recriação do homem e seus conflitos, cada uma delas possui meios e instrumentos particulares de encantamento e assim constitui um domínio próprio. Uma coisa é a música, outra é a poesia, outra o cinema. Mas às vezes um artista consegue ultrapassar os limites de sua arte; defrontamos então com uma obra que encontra os seus equivalentes mais além de seu mundo. Alguns dos filmes de Luís Buñuel – A Idade de Ouro, Los Olvidados – sem deixar de ser cinema nos aproximam de outras comarcas do espírito: certas gravuras de Goya, algum poema de Quevedo ou Peret, uma passagem de Sade, um esperpento de Valle-Inclán, uma página de Gómez de la Serna... Estes filmes podem ser apreciados e julgados como cinema e também como algo pertencente ao universo mais amplo e livre dessas obras, preciosas entre todas, que têm por objeto tanto revelar-nos a realidade humana como mostrar-nos uma via para ultrapassá-la. Apesar dos obstáculos que o mundo atual opõe a semelhantes empresas, a tentativa de Buñuel se desenvolve sob o duplo arco da beleza e da rebeldia..." |
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Los relatos de Buñuel son una exposición; revelan las realidades humanas al someterlas, como si fuesen placas fotográficas, a la luz de la crítica. El toreo de Buñuel es un discurso filosófico y sus películas son el equivalente moderno de la novela filosófica de Sade. Pero Sade fue un filósofo original y un artista mediano: ignoraba que el arte, que ama el ritmo e la letanía, excluye la repetición y la reiteración. Buñuel es un artista y el reproche que podría hacerse a sus películas no es de orden poético sino filosófico. |
Os relatos de Buñuel são uma exposição: revelam as realidades humanas ao submetê-las, como se fossem placas fotográficas, à luz da crítica. O toureiro de Buñuel é um discurso filosófico e seus filmes são o equivalente moderno da novela filosófica de Sade. Mas Sade foi um filósofo original e um artista médio: ignorava que a arte, que ama o ritmo e a litania, exclui a repetição e a reiteração. Buñuel é um artista e a censura que se poderia fazer aos seus filmes não é de ordem poética e sim filosófica. |
El razonamiento que preside a toda la obra de Sade puede reducirse a esta idea: el hombre es sus instintos y el verdadero nombre de lo que llamamos Dios es miedo y deseo mutilado. Nuestra moral es una codificación de la agresión y de la humillación; la razón misma no es sino instinto que se sabe instinto y que tiene miedo de serlo. Sade no se propuso demostrar que Dios no existe: lo daba por sentado. Quiso mostrar cómo serían las relaciones humanas en una sociedad efectivamente atea. En esto consiste su originalidad y el carácter único de su tentativa. El arquetipo de una república de verdaderos hombres libres es la Sociedad de Amigos del Crimen; el del verdadero filosófico, el asceta libertino que ha logrado alcanzar la impasibilidad y que ignora por igual la risa y el llanto. La lógica de Sade es total y circular: destruye a Dios pero no respeta al hombre. Su sistema puede provocar muchas críticas, excepto la de la incoherencia. Su negación es universal: si algo afirma es el derecho a destruir y a ser destruido. La crítica de Buñuel tiene un límite: el hombre. Todos nuestros crímenes son los crímenes de un fantasma: Dios. El tema de Buñuel no es la culpa del hombre sino la de Dios. Esta idea, presente en todas sus películas, es más explícita y directa en La edad de oro y en Viridiana, que son para mí, con Los olvidados, sus creaciones más plenas y perfectas. Si la obra de Buñuel es una critica de la ilusión de Dios, vidrio deformante que no nos deja ver al hombre tal cual es, ¿cómo son realmente los hombres y qué sentido tendrán las palabras amor y fraternidad en una sociedad de verdad atea? |
O raciocínio que preside a toda obra de Sade pode reduzir-se a esta idéia: o homem é seus instintos e o verdadeiro nome do que chamamos Deus é medo e desejo mutilado. Nossa moral é uma codificação da agressão e da humilhação; a própria razão não é senão instinto que se sabe instinto e que tem medo de sê-lo. Sade não se propôs a demonstrar que Deus não existe: dava isto por assentado. Quis mostrar como seriam as relações humanas em uma sociedade efetivamente atéia. Nisto consiste a sua originalidade e o caráter único de sua tentativa. O arquétipo de uma república de verdadeiros homens livres é a Sociedade dos Amigos do Crime; o do verdadeiro filósofo, o asceta libertino que logrou alcançar a impassibilidade e que ignora por igual o riso e o pranto. A lógica de Sade é total e circular: destrói a Deus mas não respeita o homem. Seu sistema pode provocar muitas críticas, exceto a da incoerência. Sua negação é universal: se algo afirma é o direito a destruir e a ser destruído. A crítica de Buñuel tem um limite: o homem. Todos os nossos crimes são os crimes de um fantasma: Deus. O tema de Buñuel não é a culpa do homem e sim a de Deus. Esta idéia, presente em todas as suas películas, é mais explícita e direta em A Idade de Ouro e Viridiana, que são para mim, junto com Los Olvidados, suas criações mais plenas e perfeitas. Se a obra de Buñuel é uma crítica da ilusão de Deus, vidro deformante que não nos deixa ver o homem tal qual é, como são realmente os homens e que sentido terão as palavras amor e fraternidade numa sociedade verdadeiramente atéia? |
La respuesta de Sade, sin duda, no satisface a Buñuel. Tampoco creo que, a estas alturas, se contente con las descripciones que nos hacen las utopías filosóficas y políticas. Aparte de que esas profecías son inverificables, al menos por ahora, es evidente que no corresponden a lo que sabemos sobre el hombre, su historia y su naturaleza. Creer en una sociedad atea regida por la armonía natural – sueño que todos hemos tenido – equivaldría ahora a repetir la apuesta de Pascal, sólo que en sentido contrario. Más que una paradoja sería un acto de desesperación: conquistaría nuestra admiración, no nuestra adhesión. Ignoro cuál sería la respuesta que podría da Buñuel a estas preguntas. El surrealismo, que negó tantas cosas, estaba movido por un gran viento de generosidad y fe. Entre sus ancestros se encuentran no sólo Sade y Lautréamont sino Fourier y Rousseau. Y tal vez sea este último, al menos para André Breton, el verdadero origen del movimiento: exaltación de la pasión, confianza sin límites en los poderes naturales del hombre. No sé si Buñuel está más cerca de Sade o de Rousseau; es más probable que ambos disputen en su interior. Cualesquiera que sean sus creencias sobre esto, lo cierto es que en sus películas no aparece ni la respuesta de Sade ni la de Rousseau. Reticencia, timidez y desdén, su silencio es turbador. Lo es no sólo por ser el de uno de los grandes artistas de nuestra época sino porque es el silencio de todo el arte de esta primera mitad de siglo. Después de Sade, que yo sepa, nadie se ha atrevido a describir una sociedad atea. Falta algo en la obra de nuestros contemporáneos: no Dios sino los hombres sin Dios. |
A resposta de Sade, sem dúvida, não satisfaz a Buñuel. Tampouco acredito que, a esta altura, se satisfaça com as descrições que nos fazem as utopias filosóficas e políticas. À parte o fato de que essas profecias são inverificáveis, pelos menos por agora, é evidente que não correspondem ao que sabemos sobre o homem, sua história e sua natureza. Acreditar em uma sociedade atéia regida pela harmonia natural – sonho que todos tivemos – equivaleria agora a repetir a aposta de Pascal, só que em sentido contrário. Mais do que um paradoxo seria um ato de desespero; conquistaria nossa admiração, não nossa adesão. Ignoro qual seria a resposta que Buñuel poderia dar a estas perguntas. O surrealismo, que negou tantas coisas, era movido por um grande vento de generosidade e de fé. Entre os seus ancestrais encontram-se não somente Sade e Lautréamont como Fourier e Rousseau. E talvez seja este último, pelo menos para André Breton, a verdadeira origem do movimento: exaltação da paixão, confiança sem limites nos poderes naturais do homem. Não sei se Buñuel está mais próximo de Sade ou de Rousseau; é mais provável que ambos disputem em seu interior. Quaisquer que sejam as suas crenças a esse respeito, o certo é que em seus filmes não aparece nem a resposta de Sade nem a de Rousseau. Reticência, timidez e desdém, seu silêncio é perturbador. Não só por ser o de um dos grandes artistas de nossa época, como também porque é o silêncio de toda a arte desta primeira metade do século. Depois de Sade, que eu saiba, ninguém se atreveu a descrever uma sociedade atéia. Falta algo na obra de nossos contemporâneos: não Deus, mas os homens sem Deus. |
Paz, Octávio. "El cine filosófico de Buñuel". In: Los signos en rotación y otros ensayos. Madri: Alianza, 1983, pp 177-182. |
Paz, Octávio. "O cine filosófico de Buñuel". In Signos em rotação. [Por: Sebastião Uchôa Leite]. São Paulo: Perspectiva, 1976, pp 237-241. |
Carrol, Lewis. Aventuras de Alice através do espelho. [Por: Sebastião Uchôa Leite]. São Paulo: Círculo do Livro, 1983. (Through the looking-glass and what Alice found there)
Carrol, Lewis. Aventuras de Alice no país das maravilhas e outros textos. [Por: Sebastião Uchôa Leite]. Rio de Janeiro: Fontana/Summus, 1977. (Alice's Adventures in Wonderland)
Horkheimer, Max. Eclipse da razão. [Por: Sebastião Uchôa Leite]. Rio de Janeiro: Labor do Brasil, 1976. (Eclipse of reason)
Kermode, Frank. Um apetite pela poesia. [Por: Sebastião Uchôa Leite]. São Paulo: Edusp, 1993. (An Appetite for Poetry)
Morgenstern, Christian. Canções da forca. [Por: Sebastião Uchôa Leite]. São Paulo: Roswitha Kempf, 1983. (Galgenlieder)
Paz, Octávio. Signos em rotação. [Por: Sebastião Uchôa Leite]. São Paulo: Perspectiva, 1996. (Los signos en rotación)
Perloff, Marjorie. O momento futurista: avant-garde, avant guerre e a linguagem da ruptura. [Por: Sebastião Uchôa Leite]. São Paulo: Edusp, 1993. (The Futurist Moment: Avant-Garde, Avant-Guerre, and the Language of Rupture)
Pomorska, Krystyna. Formalismo e futurismo: a teoria formalista russa e seu ambiente poético. [Por: Sebastião Uchôa Leite]. São Paulo: Perspectiva, 1972. (Readings in Russian Poetics: Formalist and Structuralist Views)
Porter, Katherine Anne. Sacco e Vanzetti: um erro irreparável. [Por: Sebastião Uchôa Leite]. Rio de Janeiro: Salamandra, 1978. (The Never Ending Wrong: memoir of the trial and execution of Sacco and Vanzetti in the 1920s)
Ripellino, Angelo M. Maiakovsky e o teatro de vanguarda. [Por: Sebastião Uchôa Leite]. São Paulo: Perspectiva, 1986.(Majakovskij e il teatro russo d'avanguardia)
Stendhal. Crônicas Italianas. [Por: Sebastião Uchôa Leite]. São Paulo: Edusp, 1997. (Chroniques italiennes).
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Leite, Sebastião Uchôa. Dez sonetos sem matéria. Recife: O Gráfico Amador, 1960.
Leite, Sebastião Uchôa. Antilogia. [S.I.: s.n.],1979.
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Leite, Sebastião Uchôa. A uma incógnita. São Paulo: Iluminuras, 1991.
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Leite, Sebastião Uchôa. Participação da palavra poética. Petrópolis: Vozes: 1966.
Leite, Sebastião Uchôa; Pessoa, Ana. Grande Otelo: o artista múltiplo. Rio de Janeiro: Embrafilme/Funarte/Inacen,1985.
Leite, Sebastião Uchôa. Crítica clandestina. Rio de Janeiro: Livraria Taurus: 1986.
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Leite, Sebastião Uchôa. Crítica de ouvido. São Paulo: Cosac & Naify, 2004.
Contratextos. [Por: Adofo Montejo Navas]. Barcelona: DVD Ediciones, 2000.
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