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Dicionário de tradutores literários no Brasil


Leiko Gotoda

Perfil | Excertos de traduções | Bibliografia

A tradutora Leiko Gotoda nasceu em 1941 em São Paulo. Filha de pais japoneses, é sobrinha de um dos maiores escritores de literatura japonesa, Junichiro Tanizaki (1886-1965). Estudou na escola paulista Alumni, onde obteve a formação de tradutora e intérprete e especializou-se em tradução literária. Chegou a traduzir algumas obras da língua inglesa para a portuguesa, mas logo percebeu que não havia tradutores de japonês no Brasil e nos anos 90,  quando as já escassas traduções do idioma tinham se tornado inexistentes, verteu para o português a épica obra Miyamoto Musashi de Eiji Yoshikawa (1892-1962) e diversos autores japoneses como Haruki Murakami (1949), Yukio Mishima (1925-1970), além do Prêmio Nobel em 1994 Kenzaburo Oe (1935).

Verbete publicado em 29 de May de 2012 por:
Leomaris Aires
Luciana Rassier

Excertos de traduções

Excerto de Em louvor da sombra, de Junichiro Tanizaki. Tradução de Leiko Gotoda.

Tanizaki, Junichiro. In’ei Raisan - 2Tanizaki, Junichiro. In’ei Raisan - 1

Hoje em dia, qualquer indivíduo interessado em construir sua própria casa no mais puro estilo arquitetônico japonês precisa recorrer a uma série de estratagemas engenhosos para harmonizar certas instalações como rede elétrica, de água e de luz com a sobriedade dos aposentos japoneses, estratagemas que, assim acredito, mesmo aqueles que nunca passaram pela experiência de construir uma casa são capazes de perceber ao entrar em estabelecimentos tradicionais como casas de chá, restaurantes ou hospedarias. Pois por mais que queiram seguir fielmente os costumes japoneses, tais amantes da arquitetura japonesa – aqui desconsiderados o excêntrico ermitão ou o austero apreciador da arte do chá que, ignorando conquistas científicas, preferem erigir singela cabana colmada em localidades remotas – jamais conseguirão evitar a instalação, em seus lares, de certas comodidades como aquecimento central, luz elétrica e aparelhos sanitários, essenciais no cotidiano de suas famílias. Nesta altura, o purista dará tratos à imaginação para, por exemplo, tornar menos conspícua a presença de um simples aparelho telefônico, relegando-o para o fundo de uma caixa de escada ou o canto escuro de um corredor. E se além disso resolver adotar também outras medidas, como enterrar a fiação do jardim, ocultar o comutador de luz no interior de armários ou de compartimentos ao rés-do-chão, ou ainda providenciar para que os fios elétricos aparentes se esgueirem por trás de biombos, correrá o risco de ver tanta criatividade transformar-se em motivo de contrariedade por excesso de zelo. No caso das lâmpadas elétricas, por exemplo, a verdade é que nossos olhos já se habituaram à presença delas e, a tomar meias medidas inadequadas com o intuito de camufla-las, creio ser muito melhor mantê-las nuas, apenas protegidas por convencionais quebra-luzes de vidro leitoso, pois assim terão aspecto mais simples, natural. Tanto é verdade que, quando viajo por uma região rural ao entardecer e avisto pela janela do trem uma dessas lâmpadas providas de antiquado quebra-luz leitoso a brilhar solitária por trás do shoji de rústicas casas colmadas, o cenário chega a me parecer poético.

 

 

Tanizaki, Junichiro. In’ei Raisan. Kyoto: Chuko Kurashikkusu, 1933.

Tanizaki, Junichiro. Em louvor da sombra. [Por: Leiko Gotoda]. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 7-8.

Excerto do conto “Exultação”, de Kenzaburo Oe. Tradução de Leiko Gotoda.

Excerto de 14 contos de Kenzaburo: conto Exultação

Lembro-me agora de que aquela era uma tarde do começo de verão e, na relva daquela área de encosta que se constituía quase numa meseta, espiralava uma contínua brisa fresca e os raios solares também não eram tão fortes a ponto de serem desagradáveis. Os únicos ruídos que nos chegavam aos ouvidos eram o rondo das motocicletas, a lembrar a exata amplificação do quente e prazeroso zumbido de uma abelha, e o alarme do trem expresso a correr pelas ruas da cidade. Eis por que, naquele momento em que, livres até a negra angústia que recobre o mundo inteiro, desfrutávamos de uma desanimada paz, ocultos em certa relva ensolarada de uma cavidade e fomos subitamente despertados por uma ensurdecedora explosão seguida de um único gemido humano e de um capacete que passou rolando ao nosso lado, nós dois nos vestimos às pressas e subimos até a estrada, onde nos aconteceu testemunhar a sugestiva morte do jovem motociclista. Enquanto eu me deitava na relva da cavidade com o peito nu queimado ao sol de verão, segurando a mão de K, familiar e ao mesmo tempo indiferente como uma terceira mão minha e, olhos fechados, ouvia motocicletas que passavam a toda velocidade, esse rapaz, que logo haverá de morrer numa batida, pagara a taxa devida na cabine do pedágio à entrada da via e, inconsciente de que dentre as diversas pessoas que subiriam a montanha naquele dia teria o infeliz destino de ser a única a não descer, apertara o acelerador com violência e viera em disparada rumo a esse importante local, e eu com certeza ouvira também o rugido do motor de sua motocicleta. Contudo, até o exato momento da eclosão do acidente, não tive, naturalmente, a atenção despertada para essa moto eleita para correr em direção à morte e, olhos fechados e imóvel, estava absorto pensando na realidade e neste mundo enorme e infinito que me cercava, enquanto o peito progressivamente queimava ao sol. E pelo fato de estar deitado na relva ensolarada de uma cavidade, isolado da estrada, onde circulavam motos e coisas menos barulhentas como carros e pedestres rumo ao topo da montanha, bem como da cidade que circundava o porto, eu experimentava enquadrar tanto a mim como a K na imagem de dois demônios existentes num mundo à parte do humano. Assim sendo, mesmo no momento em que o mundo sofresse uma gigantesca explosão de proporções universais em relação à bomba nuclear, eu e K, dois pequenos demônios do bem, poderíamos continuar deitados na relva da cavidade com os dedos entrelaçados, ouvindo como se fossem vozes bem distantes o pandemônio que se seguiria à explosão, e chego a imaginar que poderíamos até ascender como um deus da negra angústia que recobre o mundo inteiro (gosto muito desta expressão usada costumeiramente por um pastor que faz parte daquilo que chamo de círculo de amigos frequentadores do bar ao lado do porto, razão por que, além de eu mesmo a empregar, recomendo a K que faça o mesmo) e atuar como árbitros. E enquanto isso, dentro da garrafa térmica, o gelo derretia suava e lentamente, suave a lentamente, mais ainda assim de maneira incessante, como a sugerir o fim do mundo.

 

Oe, Kenzaburo. 14 contos de Kenzaburo Oe. [Por: Leiko Gotoda]. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. p. 122-123.

Bibliografia

Traduções Publicadas

YOSHIKAWA, Eiji . Musashi. [Por Leiko Gotoda]. São Paulo: Estação Liberdde, 1999. (Miyamoto Musashi). Romance épico.

MISHIMA, Yukio. Mar inquieto. [Por: Leiko Gotoda]. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. (Shiosai). Romance.

OE, Kenzaburo. 14 contos de Kenzaburo Oe. [Por: Leiko Gotoda (tradução e organização)]. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. Contos.

OE, Kenzaburo. Jovens de um novo tempo despertai! [Por: Leiko Gotoda]. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. (Atarashii hito yo mezameyo). Romance.

OKAKURA, Kakuzo. O livro do chá. [Por: Leiko Gotoda]. São Paulo: Estação Liberdade, 2008. (The book of the tea). Filosofia.

TANIZAKI, Junichiro. As irmãs Makioka. [Por: Elisa Atsuko Tashiro; Leiko Gotoda; Kanami Hirai & Neide Hissae Nagae]. São Paulo: Estação Liberdade, 2005. (Sasameyuki). Romance.

TANIZAKI, Junichiro. Diário de um velho louco. [Por: Leiko Gotoda]. São Paulo: Estação Liberdade, 2002. (Fūten Rōjin Nikki). Romance.

TANIZAKI, Junichiro. Em louvor da sombra. [Por: Leiko Gotoda]. São Paulo: Estação Liberdade, 2002. (In'ei Raisan). Estética japonesa.

TANIZAKI, Junichiro. Há quem prefira urtigas. [Por: Leiko Gotoda]. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. (Tade kuu mushi). Romance.

TANIZAKI, Junichiro. Voragem. [Por: Leiko Gotoda]. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. (Manji). Romance.

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