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Dicionário de tradutores literários no Brasil


Jorge Bastos

Perfil | Excertos de traduções | Bibliografia

Jorge de Bastos Cruz Filho nasceu no Rio de Janeiro em 3 de dezembro de 1949.

Autodidata, não possui formação acadêmica. De 1968 a 1980, “pela simples motivação de não estar no Brasil”, foi morar no exterior – um pouco na Itália e Inglaterra, mas sobretudo na França, onde trabalhou, entre outros “subempregos”, como operário agrícola numa viticultura. Mais tarde, entre 2010-2012, passou nova temporada na França ao acompanhar sua esposa, Luciana Hidalgo, num pós-doutorado. Vivendo no país é que aprendeu francês, a língua da qual traduz.

Começou a traduzir “como exercício antropofágico, como forma de assimilar o que lia”. Chegou, por exemplo, a ler Guimarães Rosa e Machado de Assis em francês e traduzir para o português (mas sem nunca cotejar o resultado com os originais...). Sua primeira tradução publicada foi Ficções Freudianas, de Octave Mannoni, em 1983.

A partir de 1981, de volta ao Rio de Janeiro, sua atividade profissional orientou-se para o mundo dos livros: começando como balconista em uma livraria, foi em seguida proprietário de livrarias (Taurus e Dazibao), e de uma pequena editora, Taurus-Timbre, que tinha no catálogo 40 títulos, de autores como Marguerite Duras, J.-L. Godard, Octave Mannoni ou Gilles Deleuze. Em 2001, após uma falência (não oficial), passou a dedicar-se exclusivamente à tradução.

Sempre por encomenda de editoras, com as quais julga manter relações “muito cordiais e respeitosas”, traduz obras literárias, mas também de Ciências Humanas (e, às vezes, textos técnicos). Calcula que traduziu em torno de cem livros, dentre os quais destaca O corcunda de Notre Dame, de Victor Hugo, “um belo romance”; Uma vontade louca de dançar, de Élie Wiesel, que há cerca de três anos foi finalista do prêmio Jabuti de tradução; e dois ensaios de Michel Serres, “um filósofo com estilo bem particular, que fiz nos últimos dois anos”. Em parceria com o colega e amigo André Telles, organizou e traduziu uma coletânea de cartas de Voltaire e, sempre com André Telles, trabalha atualmente num projeto similar com cartas de J.-J. Rousseau.

Em três ocasiões – 2001, 2005 e 2009 – foi contemplado com uma bourse de traducteur para uma estada de três meses na França, pelo Centre national du livre (órgão do Ministério da Cultura francês). Em janeiro de 2012, foi “tutor” no programa Fabrique de traducteurs promovido pela ATLAS (Assises de la traduction littéraire en Arles) e pelo CITL (Collège international des traducteurs littéraires), que reuniu em Arles, no sul da França, dez jovens tradutores de francês/português e português/francês. Em 2013, participou da Oficina de Tradução Português/Francês, realizada na cidade de Paraty por iniciativa da Fundação Biblioteca Nacional e Universidade Federal Fluminense, “uma semana com colegas tradutores franceses e brasileiros em que pudemos trocar, muito construtivamente, impressões sobre o métier”.

Não costuma escrever sobre tradução, nem mesmo sobre sua própria prática. Escreve frequentemente, porém, a pedido dos editores, textos de apresentação ou “orelhas” para os livros que traduz. Redigiu, por exemplo, uma introdução e notas de tradução para a edição de O corcunda de Notre Dame e demais livros desta mesma coleção (Robin Hood, de Alexandre Dumas, e um romance de Emile Zola, em andamento).

Não se apóia em nenhuma teoria da tradução, “apenas no bom senso”. E destaca que, em meio ao prazer solitário com as palavras, nos últimos anos a informática e a Internet vieram facilitar imensamente a tradução profissional.

Escreveu, “no passado – e que aí permaneçam”, obras literárias autorais, sendo duas publicadas em português. Isso se deu quase simultaneamente às suas primeiras traduções e, em sua opinião, a “tradução é o melhor exercício para quem quiser escrever como autor”.

Para ser um bom tradutor, acha importante “conhecer bem as duas línguas e não se deixar influenciar demais pela língua traduzida”. Se tivesse de se definir em relação ao seu ofício, Jorge diria que vê a si mesmo como um tradutor-operário, um elo na produção do livro.

Verbete publicado em 16 de October de 2013 por:
Dorothée de Bruchard
Andréia Guerini

Excertos de traduções

Excerto de O Corcunda de Notre Dame, de Victor Hugo. Tradução de Jorge Bastos.

II

II

CECI TUERA CELA

ISTO MATARÁ AQUILO

Nos lectrices nous pardonneront de nous arrêter un moment pour chercher quelle pouvait être la pensée qui se dérobait sous ces paroles énigmatiques de l'archidiacre : Ceci tuera cela. Le livre tuera l'édifice.

Perdoem-nos nossas leitoras por interrompermos por um momento a trama para buscar qual pensamento podia se ocultar sob as palavras enigmáticas do arcediago: Isto matará aquilo. O livro matará o edifício.

À notre sens, cette pensée avait deux faces. C'était d'abord une pensée de prêtre. C'était l'effroi du sacerdoce devant un agent nouveau, l'imprimerie. C'était l'épouvante et l'éblouissement de l'homme du sanctuaire devant la presse lumineuse de Gutenberg. C'était la chaire et le manuscrit, la parole parlée et la parole écrite, s'alarmant de la parole imprimée ; quelque chose de pareil à la stupeur d'un passereau qui verrait l'ange Légion ouvrir ses six millions d'ailes. C'était le cri du prophète qui entend déjà bruire et fourmiller l'humanité émancipée, qui voit dans l'avenir l'intelligence saper la foi, l'opinion détrôner la croyance, le monde secouer Rome. Pronostic du philosophe qui voit la pensée humaine, volatilisée par la presse, s'évaporer du récipient théocratique. Terreur du soldat qui examine le bélier d'airain et qui dit : La tour croulera. Cela signifiait qu'une puissance allait succéder à une autre puissance. Cela voulait dire : La presse tuera l'église.

A nosso ver, tal pensamento tinha duas faces. Antes de tudo, era um pensamento de padre, ou seja, o horror que tem o sacerdócio diante de qualquer elemento novo, como a imprensa. O pavor e o deslumbramento do homem da Igreja diante da tipografia luminosa de Gutemberg. A cátedra e o manuscrito, a palavra falada e a palavra escrita se alarmando com a palavra impressa. Algo próximo do estupor de um passarinho que visse o anjo Legião abrir seis milhões de asas. Era o grito do profeta a pressentir o ruído e o formigar da humanidade emancipada, que vê no futuro a inteligência minar a fé, o arbítrio destronar a crença, o mundo sacudir Roma. Prognóstico do filósofo que enxerga o pensamento humano, volatilizado pela imprensa, se evaporar do recipiente teocrático. Terror do soldado que examina o aríete e constata: a torre vai cair. Significava, enfim, que uma potência sucedia outra potência. Significava: a imprensa matará a igreja.

Mais sous cette pensée, la première et la plus simple sans doute, il y en avait à notre avis une autre, plus neuve, un corollaire de la première moins facile à apercevoir et plus facile à contester, une vue, tout aussi philosophique, non plus du prêtre seulement, mais du savant et de l'artiste. C'était pressentiment que la pensée humaine en changeant de forme allait changer de mode d'expression, que l'idée capitale de chaque génération ne s'écrirait plus avec la même matière et de la même façon, que le livre de pierre, si solide et si durable, allait faire place au livre de papier, plus solide et plus durable encore. Sous ce rapport, la vague formule de l'archidiacre avait un second sens ; elle signifiait qu'un art allait détrôner un autre art. Elle voulait dire : L'imprimerie tuera l'architecture.

Mas por baixo desse pensamento, que provavelmente era o primeiro e mais simples, acreditamos haver outro, mais novo, corolário menos visível e mais fácil de contestar, uma visão igualmente filosófica, não mais exclusiva do padre, mas comum também ao estudioso e ao artista. Tratava-se do pressentimento de que o pensamento humano, mudando de forma, mudaria de modo de expressão; a ideia capital de cada geração não se escreveria mais no mesmo suporte nem da mesma maneira, e o livro de pedra, tão sólido e tão durável, cederia vez ao livro de papel, ainda mais sólido e mais durável. Assim sendo, a vaga fórmula do arcediago escondia um segundo sentido e significava que uma arte destronaria outra. O que a frase queria dizer era: a imprensa matará a arquitetura.

En effet, depuis l'origine des choses jusqu'au quinzième siècle de l'ère chrétienne inclusivement, l'architecture est le grand livre de l'humanité, l'expression principale de l'homme à ses divers états de développement soit comme force, soit comme intelligence.

De fato, desde a origem das coisas e até o século XV da era cristã, inclusive, a arquitetura foi o grande livro da humanidade, a principal expressão do homem em seus diversos estágios de desenvolvimento, tanto no plano da força quanto no da inteligência.

Quand la mémoire des premières races se sentit surchargée, quand le bagage des souvenirs du genre humain devint si lourd et si confus que la parole, nue et volante, risqua d'en perdre en chemin, on les transcrivit sur le sol de la façon la plus visible, la plus durable et la plus naturelle à la fois. On scella chaque tradition sous un monument.

Pois quando a memória das primeiras raças pareceu sobrecarregada, com a bagagem das lembranças do gênero humano tendo ficado pesada e confusa a ponto de pôr a palavra nua e flutuante em risco de se perder, essa palavra passou a se transcrever no chão da maneira mais visível, mais durável e também mais natural. A partir desse momento, cada tradição foi caracterizada por um monumento.

Les premiers monuments furent de simples quartiers de roche que le fer n'avait pas touchés, dit Moïse. L'architecture commença comme toute écriture. Elle fut d'abord alphabet. On plantait une pierre debout, et c'était une lettre, et chaque lettre était un hiéroglyphe, et sur chaque hiéroglyphe reposait un groupe d'idées comme le chapiteau sur la colonne. Ainsi firent les premières races, partout, au même moment, sur la surface du monde entier. On retrouve la pierre levée des celtes dans la Sibérie d'Asie, dans les pampas d'Amérique.

Os primeiros foram simples fachadas de rocha intocada pelo ferro, com disse Moisés. A arquitetura começou como qualquer escrita. Foi primeiramente alfabeto. Plantava-se uma pedra de pé e isto era uma letra. Cada letra era um hieróglifo e em cada hieróglifo repousava um grupo de ideias, como o capitel sobre a coluna. Foi como fizeram as primeiras raças, em todos os lugares, no mesmo momento, na superfície do mundo inteiro. Encontra-se a pedra erguida dos celtas na Sibéria asiática e nos pampas da América.

Plus tard on fit des mots. On superposa la pierre à la pierre, on accoupla ces syllabes de granit, le verbe essaya quelques combinaisons. Le dolmen et le cromlech celtes, le tumulus étrusque, le galgal hébreu, sont des mots. Quelques-uns, le tumulus surtout, sont des noms propres. Quelquefois même, quand on avait beaucoup de pierre et une vaste plage, on écrivait une phrase. L'immense entassement de Karnac est déjà une formule tout entière.

Mais tarde, articularam-se palavras. Superpôs-se pedra sobre pedra, juntaram-se sílabas de granito e o verbo tentou algumas combinações. São palavras o dólmen e o cromelech celtas, o túmulo etrusco e o galgal hebreu. Algumas, como o túmulo, sobretudo, são nomes próprios. Às vezes, inclusive, caso houvesse bastante pedra e um vasto espaço, podia-se escrever uma frase. O imenso conjunto de Karnac já constituía uma sentença inteira.

Enfin on fit des livres.

E finalmente foram feitos livros.

 

Notas:

 

1 Cf. Evangelhos de Lucas, 8, 30 e de Marcos, 5, 9.

 

2 Êxodo, 20, 25.

 

 

Hugo, Victor. Notre-Dame de Paris (1831). Cf. edição disponível em www.pitbook.com, pp. 186-190.

Hugo, Victor. O Corcunda de Notre Dame. [Por: Jorge Bastos]. Rio de Janeiro: Zahar, 2013, edição comentada e ilustrada, pp. 189-90.

Bibliografia

Traduções Publicadas

Aron, Raymond. O Marxismo de Marx. [Por Jorge Bastos]. São Paulo: Siciliano, 2004. (Le Marxisme de Marx). Ensaio.

Badiou, Alain; Roudinesco, Elisabeth. Jacques Lacan passado presente. [Por Jorge Bastos]. Rio de Janeiro: Difel, 2012. (Jacques Lacan passé présent). Ensaio.

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Deleuze, Gilles. Sacher Masoch: o frio e o cruel. [Por Jorge Bastos]. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. (Le froid et le cruel). Ensaio.

Fay, Clara. Cadernos de rabiscos. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2010, 2 vols. (Cahier de gribouillages). Humor.

Ferry, Luc. O homem-deus. [Por Jorge Bastos]. Rio de Janeiro: Difel, 2007. (L’homme-dieu). Ensaio.

Ferry, Luc. Famílias, amo vocês. [Por Jorge Bastos]. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008. (Familles, je vous aime). Ensaio.

Ferry, Luc. A sabedoria dos mitos gregos. [Por Jorge Bastos]. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. (La sagesse des mythes). Ensaio.

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Maier, Corinne. Sem filhos. [Por Jorge Bastos]. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2008. (No kid). Ensaio.

Massarotto, Cyril. Deus é meu camarada. [Por Jorge Bastos]. Rio de Janeiro: Suma das Letras, 2009. (Dieu est un pote à moi). Romance.

Maury, Jean-Pierre. Newton e a mecânica celeste. [Por Jorge Bastos e Ana Deiró]. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008. (Newton et la mécanique céleste). Ensaio.

Messadié, Gérald. Judas o bem amado. [Por Jorge Bastos]. Rio de Janeiro: Bertrand, 2010. (Judas le bien-aimé). Romance.

Sémelin, Jacques. Purificar e destruir. [Por Jorge Bastos]. Rio de Janeiro: Difel, 2009. (Purifier et détruire). Ensaio.

Serres, Michel. O mal limpo. [Por Jorge Bastos]. Rio de Janeiro: Bertrand, 2011. (Le Mal propre). Ensaio.

Serres, Michel. Polegarzinha. [Por Jorge Bastos]. Rio de Janeiro: Bertrand, 2012. (Petite poucette). Ensaio.

Venezia, Shlomo. Sonderkommando. [Por Jorge Bastos]. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010. (Sonderkommando). Ensaio.

Voltaire, Cartas iluministas. [Por Jorge Bastos]. Tradução, seleção e organização com André Telles. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. Correspondência.

Werber, Bernard. As formigas (trilogia). [Por Jorge Bastos]. Rio de Janeiro: Bertrand, 2008. (Les fourmis). Romance.

Wiesel, Elie. Uma vontade louca de dançar. [Por Jorge Bastos]. Rio de Janeiro: Bertrand, 2008. (Un désir fou de danser). Romance autobiográfico. (finalista do prêmio Jabuti de tradução 2008)

Winock, Michel. Victor Hugo na arena política. [Por Jorge Bastos]. Rio de Janeiro: Difel, 2008. (Victor Hugo dans l’arène politique). Ensaio.

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