Perfil | Excertos de traduções | Bibliografia
Nascido na Bélgica em 1867, Adrien Delpech chega ao solo brasileiro em 1896, radicado no Rio de Janeiro e rapidamente naturalizado brasileiro. No Rio de Janeiro, se casa com Clotilde Waguelin, de origem franco-suíça, com quem teve cinco filhos. Foi professor de diversos estabelecimentos renomados do Rio, incluindo o Ginásio Nacional que, após o início da república, recebeu novamente o nome de Colégio Pedro II, em homenagem ao imperador. Tornou-se, então, o primeiro professor de Sociologia do Colégio Pedro II e, antes de se tornar catedrático interino, Delpech foi professor substituto de francês escolhido pela Congregação. Regeu interinamente a cadeira de Francês do Internato nos anos de 1915, 1916 e em alguns meses no ano de 1917 além de ter sido colaborador em vários periódicos brasileiros como “O País”, “O Jornal” e o “Jornal do Comércio”. Adrien Delpech participou ativamente da vida intelectual do Rio nas primeiras décadas do século XX além de ser um entusiasta das obras do francês Jean-Baptiste Debret.
Na literatura sua trajetória é reconhecida internacionalmente, pois, além do ensino de francês e sociologia, dedicou alguns estudos aos poetas românticos e parnasianos. Delpech foi próximo de autores como Raimundo Corrêa, Alberto de Oliveira e Olavo Bilac e escreveu romances no Brasil, sobre o Brasil, em língua francesa. Contudo, Adrien Delpech é reconhecido principalmente por ter sido o primeiro tradutor de Machado de Assis para a língua francesa.
No dia 03 de abril de 1909 acontece, na Sorbonne, um evento para homenagear a intelectualidade brasileira e Machado de Assis, passado um ano de seu falecimento. Esse evento despertou o interesse no autor brasileiro e, com Adrien Delpech, temos as primeiras obras machadianas traduzidas para o francês: Quelques contes [Várias histórias] publicada em 1910, seguida, no ano seguinte, pela tradução Mémoires Posthúmes de Bras Cubas, na qual parece revelar um acentuado grau de consciência da atividade tradutora. A tradução dos contos aparece a partir de dezembro de 1910 e durante todo o ano de 1911, na revista Courrier du Brésil. As traduções de Adrien Delpech foram as únicas obras integrais de Machado publicadas na França até 1914.
Destas duas traduções, a única que apresenta um paratexto do tradutor é Quelques Contes. Em seu prefácio, Delpech apresenta suas idéias sobre a atividade tradutória da obra e afirma, por exemplo, ao citar Anatole France que “Existem, talvez, belas traduções, mas nenhuma é fiel”.
No dia 20 de janeiro de 1929, Delpech é recebido como novo membro da antiga Associação de Ciências e Letras, fundada em 1922 e que, futuramente, se tornaria a Academia Petropolitana de Letras. Sob os auspícios de Alcindo Azevedo Sodré, médico, escritor e político, e também redator do “Jornal de Petrópolis”, Delpech é saudado em sua cerimônia de recepção como “uma das mais brilhantes mentalidades que se encontram em Petrópolis”.
Faleceu no Rio de Janeiro no dia 23 de maio de 1942 onde foi sepultado no cemitério São João Batista.
Verbete publicado em 13 de April de 2018 por:
Kall Lyws Barroso Sales
Marie-Hélène Catherine Torres
Excerto de La cartomancienne, de Machado de Assis. Tradução de Adrien Delpech.
Hamlet observa a Horácio que há mais cousas no céu e na terra do que sonha a nossa filosofia. Era a mesma explicação que dava a bela Rita ao moço Camilo, numa sexta-feira de novembro de 1869, quando este ria dela, por ter ido na véspera consultar uma cartomante; a diferença é que o fazia por outras palavras. |
Hamlet fait observer à Horacio qu’il y a plus de choses sur la terre et sous les cieux que n’en imagine notre philosophie. Cette même explication, la belle Rita la donnait au jeune Camille, un vendredi de novembre de 1869, alors qu’il se moquait d’elle, parce qu’elle était allée, la veille, consulter une cartomancienne. La différence, c’est qu’il employait d’autres paroles. |
— Ria, ria. Os homens são assim; não acreditam em nada. Pois saiba que fui, e que ela adivinhou o motivo da consulta, antes mesmo que eu lhe dissesse o que era. Apenas começou a botar as cartas, disse-me: "A senhora gosta de uma pessoa...". Confessei que sim, e então ela continuou a botar as cartas, combinou-as, e no fim declarou-me que eu tinha medo de que você me esquecesse, mas que não era verdade... |
— Ris, ris. Les hommes sont ainsi faits ; ils ne croient à rien. Eh bien ! sache que je suis allée chez elle, et qu’elle a deviné les motifs de ma visite avant même que je lui eusse dit de quoi il s’agissait. À peine a-t-elle commencé à étaler les cartes quelle s’est écriée : « Vous aimez quelqu’un… » J’avouai que oui, et alors elle a continué d’aligner les figures, de les combiner, et elle m’a enfin déclaré que j’avais peur que tu ne m’oubliasses, mais que c’était à tort… |
— Errou! — interrompeu Camilo, rindo. |
— Elle s’est trompée, interrompit Camille, en riant. |
— Não diga isso, Camilo. Se você soubesse como eu tenho andado, por sua causa. Você sabe; já lhe disse. Não ria de mim, não ria... |
— Ne dis pas cela, Camille. Si tu savais combien j’ai couru à cause de toi. Tu le sais ; je te l’ai dit. Ne ris pas de moi, ne ris pas. |
Camilo pegou-lhe nas mãos, e olhou para ela sério e fixo. Jurou que lhe queria muito, que os seus sustos pareciam de criança; em todo o caso, quando tivesse algum receio, a melhor cartomante era ele mesmo. Depois, repreendeu-a; disse-lhe que era imprudente andar por essas casas. Vilela podia sabê-lo, e depois... |
Camille lui prit les mains, la regarda, sérieux et fixe. Il jura qu’il l’aimait beaucoup et que ses craintes étaient puériles. En tous cas, quand elle aurait peur, la meilleure cartomancienne c’était encore lui-même. Ensuite, il la gronda ; quelle imprudence d’aller dans cette maison. Villela pouvait le savoir, et ensuite… |
— Qual saber! Tive muita cautela, ao entrar na casa. |
— Allons donc ! toutes mes précautions étaient prises en entrant. |
— Onde é a casa? |
— Où demeure-t-elle ? |
— Aqui perto, na rua da Guarda Velha; não passava ninguém nessa ocasião. Descansa; eu não sou maluca. |
— Tout près d’ici, rue da Guarda-Velha ; personne ne passait à ce moment. Rassure-toi : je ne suis pas folle. |
Camilo riu outra vez: |
Camille rit une autre fois ; |
— Tu crês deveras nessas cousas? - perguntou-lhe. |
— Vraiment, tu crois à ces choses ? lui demanda-t-il. |
Foi então que ela, sem saber que traduzia Hamlet em vulgar, disse-lhe que havia muita cousa misteriosa e verdadeira neste mundo. Se ele não acreditava, paciência; mas o certo é que a cartomante adivinhara tudo. Que mais? A prova é que ela agora estava tranquila e satisfeita. |
Ce fut alors que, traduisant Hamlet, sans le savoir, en prose vulgaire, elle lui dit qu’il y avait en ce monde beaucoup de choses mystérieuses et réelles. S’il n’y croyait pas, tant pis ! il n’en était pas moins vrai que la cartomancienne avait tout deviné. Quoi encore ? La meilleure preuve, c’est qu’elle était maintenant tranquille et rassérénée. |
ASSIS, Joaquim Maria Machado de. “A cartomante” In: Várias Histórias, 1893. Edição eletrônica Fundação Casa Rui Barbosa. |
ASSIS, Machado de. Quelques contes. [Por: Adrien Delpech]. Paris: Garnierfrères, 1910, p. 3. |
ASSIS, Machado de. Quelques contes. [Por: Adrien Delpech]. Paris: Garnierfrères, 1910.
ASSIS, Machado de. Mémoires Posthumes de Braz Cubas. [Por: Adrien Delpech].Paris: Garnier frères, 1911.
DELPECH, Adrien. Roman brésilien, mœurs exotiques. Paris: Victor-Havard e Cie, 1904.
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TORRES, Marie-Hélène Catherine. Traduzir o Brasil literário: história e crítica. Tubarão: Copiart, Pget/UFSC, 2014. Vol 2.
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SOARES, Jefferson da Costa. A Identidade Profissional dos Primeiros Professores de Sociologia do Colégio Pedro II. Anais do 3º Encontro Estadual de Ensino de Sociologia. Rio de Janeiro: UFRJ, 2012. Disponível em: http://www.labes.fe.ufrj.br/Eventos/3ENSOC/PDF/GT1.1.1.pdf Acesso: 07 de abr. de 2018.
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